Os jogos de tabuleiro são ótimas ferramentas para despertar o interesse dos alunos e promover o aprendizado de forma divertida. Quando se trata de jogos de origem africana, eles vão além do entretenimento: reforçam a importância de resgatarmos a história e cultura negra nas aulas de Educação Física.
A professora Ana Cristina da Matta, do Rio de Janeiro (RJ), é apaixonada pelo brincar, pelo universo infantil e pela educação antirracista. Sua trajetória na Educação Física se conectou aos jogos de tabuleiro africanos durante a pandemia, quando conheceu o Shisima, um jogo queniano criado pelo povo Tiriki. Inspirado nas pulgas d’água que se movem rapidamente sobre a superfície das lagoas, o Shisima trabalha raciocínio lógico e estratégia. O objetivo é alinhar três peças da mesma cor em uma diagonal do tabuleiro.
Encantada com a proposta, Ana adaptou o jogo para suas aulas online, gravando um vídeo para ensinar os alunos a construir o tabuleiro com materiais recicláveis, como caixas de pizza e tampinhas de garrafa. A experiência fez tanto sucesso que ela passou a pesquisar outros jogos africanos e hoje utiliza um acervo com mais de oito jogos diferentes em suas aulas na rede municipal de Seropédica (RJ).
Além das aulas, Ana Cristina ministra oficinas para escolas e instituições culturais. Durante sua especialização em Educação das Relações Étnico-Raciais (ERER), sob orientação da Profa. Dra. Mearie Luce Tavares, Ana desenvolveu o AYÒ – Jogos de Tabuleiro Étnicos na Formação Docente, uma cartilha voltada para professores. O material tem ênfase em Educação Física, mas propõe atividades interdisciplinares com oito jogos de tabuleiro, estimulando a exploração e a pesquisa sobre o país de origem de cada um deles.
Durante suas aulas e oficinas, Ana Cristina conversa com os estudantes sobre a origem dos jogos e, depois, orienta a construção dos próprios tabuleiros. Abaixo, ela compartilha algumas das propostas que utiliza, todas simples e sustentáveis.

Origem: Tradicional de Gana, o nome “Achi” significa “pegar” na língua akan. É um jogo de alinhamento que estimula raciocínio e estratégia.
Materiais: pedaço de papelão, régua, canetinha e oito tampinhas (quatro de cada cor).
Como fazer:
Desenhe um quadrado com nove pontos (como o jogo da velha).
Trace as linhas horizontais, verticais e diagonais ligando os pontos.
Como jogar:
Cada jogador tem quatro peças e coloca uma por vez no tabuleiro, alternando as jogadas.
Depois que todas as peças estiverem colocadas, mova uma por vez para um ponto vazio adjacente.
O objetivo é alinhar três peças em linha reta (horizontal, vertical ou diagonal).
Vence quem fizer o alinhamento primeiro.

Origem: Criado pelo povo Tiriki, do Quênia, o jogo representa o movimento das “pulgas d’água” sobre as lagoas, simbolizando agilidade e estratégia.
Materiais: papelão, canetinha ou caneta, régua e seis tampinhas (três de cada cor).
Como fazer:
Como jogar:
Cada jogador começa com três peças posicionadas nas extremidades do tabuleiro, deixando o centro vazio.
As peças se movem uma casa por vez, seguindo as linhas desenhadas.
O objetivo é alinhar três peças em qualquer segmento de reta (horizontal, vertical ou
diagonal) e impedir que o oponente faça o mesmo.
Não é permitido pular sobre outras peças.
Vence quem formar o alinhamento primeiro.

Origem: Originário do povo Shona, do Zimbábue, o nome significa “jogo de pedra jogado com três” e é usado há séculos para ensinar estratégia.
Materiais: papelão, lápis e seis tampinhas (três de cada cor).
Como fazer:
Desenhe um triângulo isósceles (dois lados iguais e um diferente) com três pontos em cada lado e um no centro.
Conecte todos os pontos com linhas retas.
Como jogar:
Cada jogador começa colocando suas três peças alternadamente nos pontos vazios.
Depois que todas estiverem no tabuleiro, mova uma por vez para um ponto vizinho e vazio.
É permitido saltar sobre uma peça (própria ou do oponente), caso haja espaço livre após o salto.
O objetivo é alinhar as três peças em linha reta (horizontal, vertical ou diagonal).

Origem: Criado em Moçambique, o tabuleiro em formato de asas simboliza liberdade e equilíbrio. O jogo também é popular na Índia, como “Lau Kata Kati”.
Materiais: papelão, canetinha e 18 tampinhas (nove de cada cor).
Como fazer:
Desenhe o tabuleiro em formato de duas asas ligadas por um quadrado central (como um “X” simétrico).
Marque todos os pontos de intersecção das linhas.
Como jogar:
Distribua as peças de cada jogador em um dos lados, deixando o ponto central vazio.
As peças se movem pelas linhas para pontos vazios adjacentes.
É possível “pular” sobre uma peça do oponente, capturando-a (se o ponto seguinte estiver vazio).
O jogador pode continuar capturando com a mesma peça, se possível.
Se um jogador tiver a chance de capturar e não o fizer, perde uma peça.
Vence quem capturar todas as peças do oponente.

Origem: Popular na África Ocidental, especialmente no Senegal e Mali, o Yoté é um jogo de raciocínio lógico parecido com as damas.
Materiais: papelão, caneta e 24 tampinhas (12 de cada cor).
Como fazer:
Desenhe um tabuleiro com 5 linhas e 6 colunas (30 casas).
Como jogar:
Cada jogador pode, em seu turno, colocar uma peça nova, mover uma já colocada ou capturar uma peça do oponente.
Enquanto ainda tiver peças fora do tabuleiro, o jogador pode colocá-las em qualquer casa vazia durante sua vez.
O objetivo é capturar todas as peças do oponente.

Origem: Considerado um dos jogos mais antigos do mundo, surgiu há cerca de 7 mil anos em comunidades agrícolas africanas e simboliza o ato de semear. Ele é um jogo de semeadura, com mais de 200 variações conhecidas, que mudam conforme o país e as etnias regionais. As cavidades do tabuleiro, onde são organizadas as sementes, são chamadas de “berçários” em muitas regiões da África — um nome que traz ainda mais significado, pois representa o lugar onde as sementes “nascem” e “crescem”.
O Mancala descrito abaixo é oware, jogado por duas pessoas e com 4 sementes distribuídas em cada berçário. Cada jogador é responsável por 6 berçários (um dos lados do tabuleiro).
Materiais: caixa de ovos e 48 sementes, grãos ou tampinhas pequenas (24 para cada jogador).
Como fazer:
Como jogar:

Origem: Criado por povos indígenas brasileiros, como Bororo e Guarani, o jogo representa o equilíbrio entre força (a onça) e união (os cachorros).
Materiais: papelão grande, caneta e tampinhas (1 “onça” e 14 “cachorros”).
Como fazer:
Desenhe as linhas que formam um “tabuleiro” com espaços para as peças, incluindo um triângulo em uma das pontas, como mostra a imagem.
Como jogar:
Um jogador controla a onça e o outro, os cachorros.
A onça se move nas linhas e pode “pular” sobre um cachorro para capturá-lo.
Os cachorros se movem tentando cercar a onça e impedir que ela se mova.
A onça vence ao capturar cinco cachorros. Justificativa matemática: é impossível encurralar a onça com as peças restantes.
Os cachorros vencem se conseguirem encurralar a onça.

Origem: Um dos jogos mais antigos da humanidade, o Senet era jogado pelos faraós egípcios e simbolizava a passagem para a vida após a morte.
Materiais: papelão, 10 tampinhas claras, 10 tampinhas escuras e 4 palitos com uma face clara e outra escura.
Como fazer:
Desenhe um tabuleiro com 30 casas (3 fileiras de 10). Nas 10 primeiras casas, coloque as 10 peças iniciais (5 de cada jogador) alternadas entre as cores.
Marque as casas especiais como indicado abaixo:

Como jogar:
O jogo é disputado entre dois jogadores. Cada jogador coloca suas 5 peças alternadamente nas 10 primeiras casas.
Os palitos funcionam como dados: cada lado claro vale 1 ponto; os escuros, 0. O número de pontos obtido indica quantas casas a peça deve avançar.

O jogador que tirar primeiro 1 ponto começa o jogo, movendo a peça escura da casa 10. As pontuações 1, 4 e 6 permitem jogar novamente.
Um ataque acontece quando uma peça cai na mesma casa de uma peça adversária: as duas trocam de lugar.
Duas peças da mesma cor lado a lado se protegem mutuamente, e uma sequência de três peças não pode ser atacada nem ultrapassada.
As casas especiais podem proteger ou penalizar as peças (por exemplo, a “Casa das Águas” faz a peça voltar ao início).
Uma peça só pode sair do tabuleiro quando o jogador não tiver mais peças nas 10 primeiras casas.
Vence quem conseguir levar todas as suas peças até o final do tabuleiro, reencarnando todas elas.
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Ana Cristina dos Santos da Matta é professora de Educação Física e especialista em Educação para as Relações Étnico-Raciais pelo IFMG – Campus Bambuí. Atualmente é mestranda em Educação, Ciências e Matemática (PPGEDUCIMAT/UFRRJ) e pesquisadora do grupo GEtCiMat da UFRRJ.
AGUIAR, Jonathan; PINHEIRO, Matheus (Org.). Jogos e brincadeiras africanas: o brincar que nasce do chão. Rio de Janeiro: Wak Editora, 2022. Com poesia de Denise Cruz, prefácio de Gen ilima, posfácio de Joana Oscar, apresentação de Renato Nogueira e colabradores Adriana Correa, et al.
BRASIL. Lei nº 11.645, de 10 de março de 2008. Altera a Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, modificada pela Lei nº 10.639, de 9 de janeiro de 2003, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, para incluir no currículo oficial da rede de ensino a obrigatoriedade da temática “História e Cultura Afro-Brasileira e Indígena”. Presidência da República, Casa Civil, Subchefia para Assuntos Jurídicos, 2008. Disponível em:
CUNHA, Débora Alfaia da. Mancalas e tabuleiros africanos: contribuições metodológicas para educação intercultural. Castanhal, PA: Edição do autor, 2019. E-book. Disponível em: https://share.google/tGJ7Zi6aoQ4J2XT78. Acesso em: [dia mês ano].
SEABRA, Carlos. O livro das crianças indígenas e africanas. 1. ed. Itapira: Estrela Cultural, 2019.
SILVEIRA, Walber. Os jogos de tabuleiro como conteúdo da cultura corporal na educação física escolar na perspectiva da educação física inclusiva. In: CONGRESSO BRASILEIRO DE CIÊNCIAS DO ESPORTE, 22.; CONGRESSO INTERNACIONAL DE CIÊNCIAS DO ESPORTE, 9., 2021. Anais… [S.l.]: [s.n.], 2021.
RIBAS, Renato P. et al. Jogos Lógicos de Tabuleiro como Instrumento Pedagógico de Socialização e Emancipação. Porto Alegre: UFRGS, 2018.
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